looking through: Henry & June.

quinta-feira, 25 de março de 2010



Uma Thurman e Maria de Medeiros em cena do filme de 1990, Henry & June, de Philip Kaufman, baseado nos escritos de Anaïs Nïn sobre a Paris modernista e libertária de 1920 e a fase mais fértil de Henry Miller. Se quiser ver o filme inteiro, confere aqui. (créditos ao blog 'o sétimo projetor')

da janela

sexta-feira, 12 de março de 2010

morava no oitavo andar, nem havia muito tempo. não era lá a melhor vizinhança, tampouco a melhor vista da cidade: seu prédio estava incrustado bem no meio de vários outros espigões, sem vista exuberante pra lugar nenhum, a não ser janelas, outras janelas, mais janelas, e a rua formigante lá embaixo. simplesmente morava. simplesmente não lhe deram outra alternativa, naquela cidade que o engolia lenta e diariamente.

enfim, ao menos tinha um hobby que lhe era muito bem proporcionado: observar. o cubículo de sua propriedade e a limitação de seus canais abertos de televisão só lhe davam uma boa saida, essa única e sintética opção: se contentar em olhar pela janela. olhava a rua, os carros, as pessoas que passavam apressadas pra cima e pra baixo. mas principalmente olhava as janelas vizinhas. com o tempo tomou gosto por observar as janelas despreparadas e escancaradas; qualquer movimentação dentro das casas alheias, qualquer aparição, mesmo que relâmpago, lhe proporcionava um certo prazer afável, um conforto de estar acompanhado ali, naquela cidade de invisíveis. provocava-lhe mil pensamentos, um turbilhão de ideias e suposições invadiam sua imaginação. sentia algo produtivo nisso tudo. não se sentia mais só. tomou gosto de fato pela coisa toda.

e de pequeno afazer foi se transformando em hábito: primeiro começou com um binóculo. não demonstrada a eficiência requerida, barganhou-o por uma potente luneta numa loja de aparatos usados. aí sim, começariam grandes aventuras voyeuristicas, de janela a janela! sentiu-se independente, sentiu que obteve uma distração auto-sustentável, livre da televisão e de qualquer ocupação que não lhe satisfizesse em plenitude!

o momento eufórico passou, algumas semanas depois, nesse hobby insólito, e o negócio não estava mais tão legal assim. era o mesmo de sempre: velhas senhoras estendendo roupas nos varais, tios barrigudos sem camisa bebendo long necks debruçados nos beirais, crianças correndo vultuosas pelos corredores, donas de casa dançando com seus poodles no colo. tornou-se mais um canal da tv aberta, cheio de rotina e hábitos comuns. começou a imaginar que não tinha feito bom negócio na luneta. começou a pensar que a vida era mesmo monótona naquela cidade, que se conformasse com a vastidão de invisíveis a qual ele fazia parte, que amanhã voltaria até a loja de usados e trocaria a luneta por, sei lá, um video game de cartucho eletrônico, um casiotone, uma máquina de fazer sucos: qualquer porcaria que empoeirasse em algum armário depois de duas semanas.

naquela mesma noite resolveu dar uma ultima espiada, como desencargo de consciência, só pra se certificar de que realmente pra nada serviria manter aquele objeto inócuo encostado atrás da estante. posicionou aleatóriamente a lente do telescópio em direção à qualquer janela. num quarto confortável de paredes brancas e virgens e com as cortinas escancaradas, viu um casal entrelaçado, seminus, cambaleantes às cegas em direção à uma cama larga. tirou o olho rápido da lente, incrédulo, pra conferir, à olho nu, onde exatamente o telescópio mirava. já havia passado a lente do mirante por aquele apartamento, num segundo andar, meio escondido pelo telhado de zinco de um velho galpão, que até então se encontrava vazio e desocupado. provavelmente teriam se mudado pra lá ha pouco, dois, talvez um dia. se percebia que mal tinham desencaixotado a mudança, entulhada em caixas de papelão no quarto ao lado. só haviam poucas coisas em uso, e por uma brecha no espaço da porta ele via uma tv e uma aparelho de dvd no chão, uma garrafa de vinho vazia e dois copos pela metade. voltou a atençao no foco principal.

de longe ela parecia resfolegante. puxava-o pela camisa toda amarrotada num solavanco sem direção exata, só movida pelo tesão. "de certo já haviam passado um tempo na sala, se provocando", pensou com um sorriso malicioso, "pra estarem já desse jeito, tudo desalinhado, os dois". continuou na observação. ela, usando uma fina camiseta cortada em altura de top e calcinha, somente terminou de abaixar a calça dele e já se jogou na cama, esperando que ele a seguisse. ele deu dois suspiros fundos, como se estivesse puxando forças de dentro dos pulmões pro que viria a seguir, como se segurasse o instinto animalesco que aflorava para saltar em cima dela e devorá-la com o apetite de um tigre. mas não: aparentou só pensar, por segundos, na melhor forma que isso poderia ser feito. Só se arrastou por sobre dela, sorrateiro, passando o rosto por entre suas pernas já abertas. Na altura da calcinha ele deu um break. esfregou o rosto de maneira diferente, carinhosa e reverencial, na região pélvica, como se procurasse obter algo com o faro, um fio do aroma de cio que ela exalava. parou por um tempo aí, e segundos depois se deu por satisfeito, avançando pelo resto do corpo acima, pelos belos seios dela que se identificavam, ali pela lente, sem qualquer imperfeição. "cara de sorte", começou a imaginar, já sentindo a ereção armar em si pela contemplação. "sorte também que não me desfiz da luneta". um beijo demorado se seguiu, com voracidade dos dois. buscavam os detalhes mais suaves da boca um do outro, fisgados pelo alcance da lente telescópica. parecia emanar um calor dos dois, o ar em volta dos corpos tremia como numa pista pavimentada no deserto.

ele abandonou a boca dela, de volta em direção aos seios. lá no outro prédio ele definia ainda mais a proximidade do foco da luneta, e via a lingua do homem circular a auréola dos seios dela, enquanto ela já arrancava a calcinha determinando o próximo caminho a ser tomado pela lingua dele. na outra ponta da luneta ele apertava o membro rijo por cima da calça: nem queria estar lá, nem queria participar. só queria estar exatamente aonde estava, observando à distância. lá embaixo ele já estava com a cabeça entre as pernas dela, porém numa posição que não permitia que detalhes fossem captados com perfeição pela lente do telescópio. mas o rosto dela sim, era perfeitamente focalizado. suas expressões de prazer, mordiscando os lábios e abrindo a boca, indicando pequenos gemidos, eram captadas e traduzidas. ela se tremia de tesão, era notável. suas pernas envergavam em direção a cabeça, mais abertas que seus musculos poderiam se alongar. ele saiu com a cabeça do meio das pernas dela, subito, e se prostou de pé, nu, na frente dela, manipulando sua pica dura para que ela o observasse, pra que ela observasse sua excitação, como ele a desejava, pra que ela imaginasse como seria fodida em poucos segundos com aquela rola dura entre suas pernas. na luneta, ele sacou o pau duro também e começou a se punhetar, macio. ela observava o homem punhetar, o homem a observava deitada na cama, de pernas abertas a se tocar, e a luneta fazia a observação geral, todos se contemplavam num ato sexual solitário porém em conjunto.

o homem avançou em direção à sua garota. deitou por cima dela e a penetrou agil e facilmente, ela provavelmente já se encontrava dilatada pelos dedos e pingando pela lingua dele e seus proprios fluidos. a visão à distancia era tranquilamente suprida pela lunete, mas faltavam os sons: um ato sexual sem sons sexuais não é completo, então o observador traduzia mentalmente cada ato. sentia o gemido dela quando ela redobrava o pescoço para trás, com a boca aberta, em completo tesão. elucidava os barulhos do membro entrando e saindo, convulsivo, na vagina ensopada dela que também se fazia sonora pelos liquidos lubrificantes. ouvia quase com clareza em sua mente o barulho das coxas dele batendo violentas na bunda dela. e gozou, vendo-os gozarem e ouvindo a sinfonia sexual toda em sua mente.

deitaram exaustos, trôpegos um sobre o outro, e o homem estendeu a mão na parede para apagar a luz. ele do outro lado do telescópio fez o mesmo, satisfeito pela gozada, pelo momento dividido com o casal de estranhos, quase como um presente dado com toda dedicação por parte deles, lá no outro prédio.

dia seguinte ele acordou e, misteriosamente, já não sentia mais vontade de observar. sentiu de repente que o telescópio não tinha mais serventia, dali em diante: o objeto havia cumprido seu papel em sua experiência de vida. pensou em mantê-lo ainda, para prováveis outras ocasiões que o casal se divertisse, lá do outro lado. pensou em chamar os amigos para compartilhar - não era egoista. mas sentiu um certo ciúme disso: e chegou a imaginar que aquilo era um ato entre ele e os dois, lá do outro lado da rua, e mais ninguém! eles deram isso pra ele! foi um ato compartilhado!... não foi??... não. isso foi só um delírio, só sua imaginação. eles nem sabiam de sua existência, afinal! o certo era se desfazer do objeto e arrumar outro hobby.

levou o telescópio de novo à loja de usados para procurar um outro objeto à se trocar, um novo afazer qualquer, pra diminuir a angústia da maldita cidade. no balcão, um casal recebeu o telescópio de suas mãos. ela olhava pra ele incessante, com olhos brilhantes e semi-cerrados, um certo sorriso malicioso de canto de boca. ele os reconheceu, com evidente expressão de surpresa, do ato vouyerístico da noite passada: "que houve? não gostou do telescópio?...", perguntou o homem, com um sorriso sarcástico, em tom de decepção.

 
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